Realizada entre 2009 e 2014, esta iniciativa foi o primeiro projeto de cooperação Sul-Sul desenvolvido pelo Brasil cuja formulação e implementação ficaram a cargo de movimentos sociais, com a coordenação de uma ONG brasileira (IBASE). Envolvendo organizações de camponeses do Brasil, de Moçambique e da África do Sul ligados à agricultura familiar, o projeto centrou-se no resgate de sementes crioulas e no fortalecimento técnico acerca do plantio e da colheita destas, como forma de promover, ao mesmo tempo, geração de renda, empoderamento comunitário e preservação da agrobiodiversidade.
Desafio: Baseado em grandes corporações e monoculturas intensivas que recorrem à mecanização e ao uso de agrotóxicos, sementes comerciais e adubos químicos para o incremento da produtividade, o modelo dominante de desenvolvimento da agricultura propagou-se no século XX com o intuito de sanar o problema da fome no mundo. No entanto, verifica-se que esse modelo tem desencadeado importantes desequilíbrios socioambientais (tais como a inviabilização da agricultura de pequena escala, o empobrecimento gradual da agrobiodiversidade, o esgotamento dos solos e o aumento da vulnerabilidade da produção a variações atmosféricas, pragas e doenças), os quais, ao contrário, incidem na manutenção de um círculo vicioso entre pobreza, fome e degradação ambiental. Assim, o agronegócio tem sido questionado em termos de sua capacidade de gerar um desenvolvimento que seja ao mesmo tempo inclusivo e sustentável.
De acordo com a FAO, a agricultura familiar é a principal forma de provimento dos alimentos consumidos no mundo, e constitui a base de sustento da maioria da população dos países africanos (ainda que nas áreas rurais se concentre, paradoxalmente, a maior parte da população mais pobre). Ao declarar 2014 como “Ano Internacional da Agricultura Familiar”, a ONU visava aumentar a visibilidade desta vertente de produção, que desempenha um papel fundamental para a segurança e a soberania alimentares, como também para a geração de emprego e renda, em particular nos países menos desenvolvidos.
Por exemplo, em contraste com a homogeneização e a simplificação dos procedimentos agrícolas do agronegócio, a agricultura familiar tem sido responsável pela perpetuação do conhecimento e da prática tradicionalmente desenvolvidos ao longo dos tempos para a seleção e o melhoramento de plantas e sementes adaptadas aos contextos particulares. Com necessidades energéticas e de insumos industriais muito inferiores às das monoculturas, os sistemas complexos e diversificados associados à agricultura familiar têm perdurado mesmo em ambientes com condições hostis (tais como aqueles sujeitos a secas), contribuindo, portanto, para a preservação do patrimônio genético e cultural autóctone existente. Tal fato é especialmente relevante considerando que, como estimado pela FAO, cerca de 75% da agrobiodiversidade desapareceu no século passado.
Em reação a esse quadro, movimentos campesinos e cientistas da agroecologia têm procurado promover o resgate de sementes crioulas – variedades especificamente adaptadas ao local de cultivo – e das práticas comunitárias tradicionais que lhes são associadas, em particular os bancos de sementes (para garantir seu armazenamento até o próximo plantio) e as feiras de trocas. Assim, dentre os principais desafios que se colocam estão a reabilitação e a disseminação de tais práticas pelos campesinos.
Solução: Elaborado com a participação de membros da sociedade civil e de líderes comunitários dos países envolvidos, o projeto de bancos comunitários de sementes crioulas para a agricultura familiar visou a capacitação de camponeses em procedimentos de resgate, multiplicação, armazenamento e uso de sementes nativas. A partir da transferência de tecnologias sociais e da agroecologia, o projeto visou ainda a implantação de bancos comunitários de sementes e a formação de camponeses nos processos de troca e comercialização destas, contribuindo assim para o fortalecimento organizacional e econômico da agricultura familiar em Moçambique e na África do Sul.
As atividades centraram-se no intercâmbio de profissionais para a troca de conhecimentos entre os três países, através de visitas técnicas, cursos e testes de plantio com a participação de agrônomos habituados a trabalhar com movimentos populares. Representantes moçambicanos e sul-africanos de movimentos camponeses estiveram no Brasil para trocar experiências e conhecer técnicas de plantio e colheita de sementes crioulas utilizadas pelos movimentos sociais brasileiros e, em outra ocasião, para visitar uma feira de troca de sementes, de alcance internacional, realizada no estado de Goiás.
Com conteúdo e metodologia coletivamente definidos pelos movimentos sociais dos três países, os cursos de formação envolveram técnicos e lideranças camponesas em torno de temas relacionados com o cultivo e a preservação das sementes, assim como temas transversais ligados à organização, ao funcionamento, aos desafios e às necessidades dos movimentos sociais camponeses. Os participantes dos cursos foram também treinados sobre como disseminar o conhecimento adquirido, para que funcionassem como multiplicadores da iniciativa. O projeto levou particularmente em conta as questões de gênero na agricultura familiar, ao incluir um seminário especialmente dedicado às camponesas, realizado por representantes do Movimento de Mulheres Camponesas do Brasil. Esse seminário teve repercussões na mobilização e no empoderamento das mulheres tanto em Moçambique quanto na África do Sul, tendo influenciado a criação de estruturas e eventos especializados nesses países.
O projeto também capacitou os camponeses na metodologia de implementação e funcionamento de bancos comunitários de sementes, realizou um inventário das sementes crioulas presentes nas áreas cobertas pelo projeto nos dois países africanos (principalmente grãos, raízes e hortaliças) e desenvolveu experiências concretas de plantio com sementes crioulas. Os resultados do projeto incluem ainda o reconhecimento, pelos dois governos africanos envolvidos, dos movimentos sociais camponeses e o estreitamento das relações entre estes.
O principal diferencial deste projeto de cooperação Sul-Sul foi ter movimentos sociais rurais do Brasil, da África do Sul e de Moçambique como agentes de definição das demandas e atividades e de sua execução, o que tanto potencializou a sustentabilidade da iniciativa como promoveu o reforço efetivo das economias locais.
Apoiada por: Agência Brasileira de Cooperação (ABC)
Agência de implementação:
Pelo lado brasileiro: Secretaria-Geral da Presidência da República, Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), Movimento Camponês Popular (MCP) e Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)
Pelo lado moçambicano: Ministério da Agricultura (Direção Nacional de Extensão Agrária) e União Nacional dos Camponeses (UNAC)
Pelo lado sul-africano: Ministério da Agricultura, Florestas e Pesca, e Trust for Community Outreach and Education (TCOE)
Detalhes do contato:
Brasil
Athayde Motta
Diretor Executivo, IBASE
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